domingo, 23 de novembro de 2008

O que resta da Acção Católica Portuguesa?

Historiador Paulo Fontes fala dos 75 anos de fundação e do fim deste corpo global do laicado católico no nosso país

Em Novembro de 1933, na Conferência Plenária do Episcopado português foram aprovadas as bases orgânicas da Acção Católica (AC), que assim nascia no nosso país. Era então definida como “o conjunto das organizações do laicado católico português que propõe a difusão e a defesa dos princípios católicos na vida individual, familiar e social, sob a directa e inteira dependência da hierarquia e por mandato desta recebido”.

A primeira obra de cariz científico sobre a Acção Católica Portuguesa (ACP), apresentada no nosso país teve a autoria de Paulo Fontes, membro do Centro de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa. O historiador considera que a ACP há muito chegou ao fim, no nosso país.

“Hoje quando falamos da celebração dos 75 anos (da AC, ndr), falamos da fundação, porque já não há Acção Católica Portuguesa, há que dizê-lo com clareza”, afirma.

Paulo Fontes assinala que “a ACP como corpo global, orgânico, acabou em 1974”. Nesse ano, a então Comissão Executiva entrega aos Bispos a responsabilidade de acompanharem uma multiplicidade de movimentos autónomos.

Em declarações ao Programa ECCLESIA, este especialista - autor da dissertação de Doutoramento com o título "Elites Católicas na Sociedade e na Igreja em Portugal: o papel da Acção Católica Portuguesa (1940-1961)" – explica que a ACP nasceu “de uma preocupação grande da hierarquia católica, a de encontrar uma resposta orgânica, capaz de envolver os católicos do país, numa cruzada de reconquista cristã ou recristianização da sociedade”.

Procurando um novo modo de estar da Igreja em sociedade, tentou-se secundarizar o que separava os católicos, “nomeadamente a questão política” e “estar presente na sociedade para essa tarefa de recristianização”.

Estando perante um dos fenómenos que mais marcou a vida da Igreja Católica em Portugal, no século passado - apenas suplantado, em importância, por Fátima -, Paulo Fontes destaca o seu efeito “mobilizador”, seja na criação de novas elites, seja nas “massas”.

Uma ideia de “acção católica” já se encontrava no século XIX, dada a necessidade de “reencontrar um espaço onde a presença cristã se fizesse sentir” em sociedades que já não se definiam como religiosas.

A Acção Católica pode ser definida, de forma genérica, como a forma organizada de apostolado dos leigos que, no seguimento dos movimentos católicos do séc. XIX, foi incrementada por Pio XI, alcançando grande implantação sobretudo nos países católicos latinos.

Em Portugal, a Acção Católica incluía duas dezenas de "organismos" especializados por sexos, idades e meios sociais, coordenados por quatro "organizações" e por uma "Junta Central", chegando a contar 100 mil associados na década de 50, segundo dados publicados e cartografados pelo então Pe. Manuel Falcão, hoje Bispo emérito de Beja.

Paulo Fontes destaca a ideia da “evangelização do semelhante pelo semelhante”, que levou a “uma cristianização feita a partir da assunção da condição e do protagonismo dos próprios leigos”, para chegar “onde a hierarquia não chegava”.

Daqui surgiram “experiências novas e diversificadas, umas que tiveram o seu tempo e que terminaram, outras que se transformaram”.

Na sua obra, Paulo Fontes apontava dois elementos que esmoreceram e ajudam a explicar o fim do modelo orgânico da ACP: o primeiro, "um certo entendimento da unidade, porque a Acção Católica procurava afirmar a unidade na diversidade, mas uma unidade entendida como união, que se sobrepunha ao que era a particularidade das dioceses ou as particularidades dos meios sociais".

O segundo elemento é a ideia do "mandato", numa visão de Igreja em que "o protagonismo e a iniciativa dos leigos, de algum modo, ainda estava secundarizado ao próprio apostolado hierárquico".

À ECCLESIA, Paulo Fontes assegura que da ideia de Acção Católica resta hoje “muita coisa”, a começar pelos “movimentos e dinâmicas que prolongam experiências que nasceram no interior deste movimento orgânico e que se autonomizaram”.

Outra herança é a “vitalidade presente em intuições pastorais da AC e que se transpuseram” para campos eclesiais e da sociedade, com destaque para a questão do “apostolado dos leigos” dentro da Igreja Católica e o “enraizamento social do cristianismo”.


in Agência Ecclesia


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